Afinal, o que querem os gestores hospitalares? Engajamento da equipe médica para oferecer valor em saúde ao paciente

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Desospitalização, accountable care organizations e mais valor e qualidade em saúde em troca de menor custo foram assuntos da palestra do Dr. Valter Furlan, diretor do Hospital totalCor e da Total Care, no 8º AnestEdu

De 2012 a 2017, o tempo de permanência dos pacientes no hospital totalCor, em São Paulo, caiu de uma média de 6,5 dias para 5,8. A taxa de reinternação hospitalar caiu de 11% para 9,5% e a de reinternação na UTI, de 5% para 1%. No uso de hemotransfusão também houve alteração: caiu de 70% em 2012 para 40% em 2017. Segundo o gestor do hospital, Dr. Valter Furlan, que também é diretor da Total Care, o engajamento da equipe médica, ou seja, o envolvimento na qualidade do atendimento médico de cirurgiões, médicos anestesistas e outros especialistas foi muito importante para o alcance desses resultados positivos e para oferecer valor em saúde ao paciente. Ele divulgou os dados na conferência “O que o Gestor de Saúde Espera de uma Empresa de Anestesiologia em sua Instituição de Saúde?”, no 8º AnestEdu.

“Valor em saúde é a melhor qualidade que se pode oferecer ao paciente, em termos de tratamento médico, pelo custo”, disse o gestor.  “E custo não é prova de qualidade em saúde.” Ele citou o professor de Harvard Michael E. Porter: “a competição tem que ser baseada em valor, em resultados”.

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Menos tempo de internação é mais qualidade em saúde. Para o Dr. Furlan, complicações costumam significar simplesmente mais pagamentos, os hospitais sendo recompensados por oferecer mais cuidados e não melhores cuidados: “O atendimento de alta qualidade em saúde tem que ser menos dispendioso”.

Ele lembrou que a desospitalização é uma tendência e que os hospitais deverão diminuir. Os pacientes passarão a se submeter a procedimentos complexos em regime de day hospital. “Em nosso hospital, por exemplo, quando fazemos angioplastia de artéria coronária de forma eletiva, o paciente é internado de dia e à noite está em casa. Não vai para a UTI, fica sem complicação, sem reinternação. Cada vez mais, iremos usar menos a estrutura hospitalar, e ela deve diminuir”, afirmou. “Mas isso ainda não está acontecendo.”

Hoje, quando são necessários mais leitos, criam-se mais leitos e são construídos mais hospitais. E, segundo a Advisory Board, o tempo médio de construção de um hospital, desde a aprovação do orçamento, é de oito anos. É uma situação muito lenta e muito cara. “O que nós, médicos, podemos fazer quanto a isso?”, perguntou. Em resposta, trouxe o estudo Clinical Operations Board Survey on Transitions, de 2013, realizado em um hospital de 300 leitos, que demonstrou que se o tempo médio de internação de um paciente for diminuído em um dia, é como se 49 leitos fossem adicionados: “Solução muito mais inteligente, mais barata, mais custo-efetiva e que traz segurança ao nosso paciente.” E como diminuir o tempo de internação? Com um atendimento de mais qualidade.

O Dr. Furlan alertou sobre a taxa de ocupação bastante elevada que os hospitais de São Paulo estão vivendo, um problema também de outras grandes capitais brasileiras. Mas o que os médicos têm a ver com isso? Ele respondeu: um hospital que tem mais de 85% de capacidade começa a colocar o paciente em risco, porque há sobrecarga de trabalho. Assim que o paciente é admitido já há 18% de risco de infecção, que aumenta 2% por dia de internação: “Esse paciente precisa ser desospitalizado, porque ficar mais tempo internado é mais risco de infecção e de eventos adversos.”

Engajamento da equipe médica e consequências na qualidade em saúde e na forma de remuneração

Para o Dr. Valter Furlan, a experiência do paciente, seu engajamento no próprio cuidado, sua satisfação, devem ser foco de médicos, gestores e instituições. E essa experiência não termina quando o paciente deixa o hospital. “Como o paciente nos vê? O que acontece com ele depois? Quando tempo ele ficou imobilizado? Ele tinha, anteriormente, a informação de quanto tempo ficaria afastado do trabalho? Os modelos de remuneração por performance levam a experiência do paciente cada vez mais em conta.”

O Dr. Furlan destacou a Accountable Care Organization (ACO), uma forma de organização que está se estabelecendo fortemente nos Estados Unidos e no Reino Unido: “Accountable sendo mais ou menos uma responsabilização, o contrário da vitimização”. E explicou que, nesse modelo, uma população é designada ao cuidado de um grupo de médicos ou hospitais, sob um determinado orçamento. “Esse dinheiro é diferente da captation, em que, quando acabava o dinheiro, os pacientes é que perdiam. Ou então, para ganhar o dinheiro, retardava-se um procedimento –  a maior crítica ao modelo do captation. No Accountable, todo o sistema é responsabilizado.”

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No ACO, contou o Dr. Furlan, os pacientes são avaliados por indicadores de performance, como mortalidade, complicação, qualidade de vida, etc. O recurso financeiro que resulta da economia feita com esse modelo é compartilhado entre a fonte pagadora e o grupo que presta o serviço. Segundo o Dr. Furlan, é gerado um ganho para todo o sistema, que hoje tem se mostrado, por exemplo, nos Estados Unidos, em cirurgias de coluna, quadril e joelho, com melhores resultados médicos e economia de dinheiro.

Nesse modelo e em outros que levam em conta a performance, a medição e a divulgação de resultados é muito importante. E um dos problemas no Brasil, segundo o Dr. Furlan, é a falta de transparência na divulgação de resultados dos hospitais: “É uma informação totalmente assimétrica, a população não tem acesso ao que acontece dentro dos nossos hospitais. As informações precisam ser amplamente divulgadas”.

As informações do SUS relativas a hospitais, trazidas pelo Dr. Furlan, são as seguintes:

No Brasil, temos mais de sete mil hospitais, que absorvem 70% dos gastos com saúde. O hospital brasileiro típico é de pequeno porte, baixa complexidade e tem apenas 34% de eficiência se comparado aos melhores hospitais do país. Veja mais dados com comentários do Dr. Furlan:

  • Modelos de gestão e governança inadequados.
  • Ausência de responsabilização dos gestores pela qualidade/resultado.
  • Pagamento baseado apenas na produção. “Isso tem que mudar. Você faz o trabalho e é recompensado por aquilo que você faz. Se fizer mal feito, se tiver uma intercorrência, é remunerado duas vezes. Isso ruim, o incentivo é perverso, é um pagamento que não leva em consideração absolutamente nada em termos de qualidade. Só vê volume, o que muitas vezes força as pessoas a fazerem procedimentos que podem ser desnecessários.”
  • 60% dos hospitais têm até 50 leitos, contra um porte mínimo recomendado de 200 leitos. “A quantidade mínima de leitos é um dado um pouco controverso.”
  • A taxa média de ocupação é de 37% (SUS). “Cada prefeitura de cada cidadezinha quer ter um hospital porquê, do ponto de vista político, isso é importante.”
  • 30% dos pacientes internados poderiam ser atendidos por outro perfil de serviço.
  • Internações desnecessárias custam R$ 10 bilhões por ano.

“Isso é um retrato do SUS, mas temos encontrado muitos hospitais privados na mesma situação no Brasil.”