Quem tem medo do fee por performance: o que fazer para não acabar nos próximos quatro anos

Dr. Roberto Manara na palestra “Otimizando Recursos, Processos, Protocolos, Melhores Práticas e Sustentabilidade do Setor” do painel: “Gestão Disruptiva em Organizações de Saúde”

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Com a chegada do fee por performance à saúde brasileira, que os especialistas dão como certa e avisam que já está se estabelecendo, chegam também novas formas de gestão de instituições de saúde. Aos profissionais mais atentos, essas mudanças podem gerar muita expectativa e até algum receio: será que ainda teremos espaço para trabalhar?

Ao lado dessa evolução, o mercado de trabalho vem recebendo cada vez mais novos profissionais. O que nós, médicos anestesistas, que muitas vezes temos uma empresa aberta por questões tributárias e de recebimento, podemos fazer para não “acabar” nos próximos quatro ou cinco anos, prazo que vem sendo estimado para as novas formas de remuneração se estabelecerem por completo no país?

“Precisamos fazer gestão – isso é para ontem, não é nem para hoje nem para amanhã – e principalmente promover qualidade e segurança, experiência do paciente e dados confiáveis e gerenciáveis”, disse o Dr. Roberto Manara, gerente nacional de Educação, Certificação e Avaliação em Qualidade, Segurança e Acreditação do grupo norte-americano United Health Group (UHG) no ramo Américas.

Ele lembrou que desde outubro de 2008, o Medicare, seguridade social governamental americana para idosos, não paga mais os hospitais, nos Estados Unidos, por despesas decorrentes de algumas complicações adquiridas dentro do hospital. “Você acha que as operadoras de plano de saúde não vão fazer a mesma coisa aqui no Brasil? Ou seja, ‘não pago mais por erro na assistência’?”, perguntou.

Segundo o Dr. Manara, que é também corresponsável pelo CET da PUC Sorocaba (SP) e professor do MBA de Qualidade e Segurança da Faculdade de Educação em Ciências da Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, esse será o fim do fee for service, pagamento por serviços, e os gestores hospitalares não vão querer pagar a conta pelos eventos adversos, mas irão compartilhá-la, por exemplo, com o serviço de anestesia que cometer o evento adverso porque não trabalhou dado, qualidade, protocolo, segurança do paciente. Assim, os profissionais e as instituições devem se preparar para o fee por performance, pagamento por performance, com engajamento, superando a expectativa do paciente e gerando dados para melhorar a gestão e o caixa das instituições, pois o caixa é limite para tudo: “O serviço de anestesia que não estiver preparado será convidado pelo gestor a se retirar da instituição. E hoje, com o número de faculdades de medicina, enfermagem e assistência à saúde, não está difícil encontrar profissionais”. É preciso aprender e rapidamente.

Qualidade e segurança para o fee por performance

O Dr. Manara explicou que em quatro ou cinco anos, muitos fundos de capital que estão comprando operações de saúde no Brasil irão melhorar essas operações para vendê-las. “A ideia é essa: melhorar a operação e vendê-la mais caro. E se as operações não puderem ser melhoradas, esses fundos partirão para outras”. Portanto, além de saber fazer gestão muito bem, equipes, grupos de anestesia e profissionais médicos, precisam se tornar – e as instituições de saúde precisam vê-los dessa forma – fundamentais no processo de sustentabilidade do sistema.

Na prática, diz o Dr. Manara, isso significa atuar em dois quesitos em qualidade e segurança:

  • Fornecer dados para a instituição de saúde: quem não sabe o que procura não sabe interpretar o que acha e vive de percepções. Por exemplo, o médico anestesista que usava só uma seringa no mesmo paciente para administrar tudo durante um procedimento, pensando que estava sendo sustentável (veja a primeira palestra do Dr. Manara no 8º AnestEdu) Mas quando ficou sabendo que uma infecção sanguínea custa 30 mil reais e uma seringa custa 0,30 centavos, percebeu que não estava fazendo sentido e mudou de atitude.
  • Cultura de segurança e experiência do paciente: é nisso que somos melhores do que as máquinas. É nisso que sou melhor do que a máquina que analisa melhor do que eu a tomografia, porque a minha visão não tem a mesma capacidade de analisar imagem pixel a pixel. A máquina não tem condição de melhorar a experiência do paciente, o engajamento, a empatia, o care of patient, o plano de cuidado, de atendimento, o plano terapêutico, que ninguém sabe o que é e custa zero. A ideia é trazer algumas das soluções que não custam nada, mas que às vezes, por falta de cultura, “porque eu não acho isso importante”, não adotamos.

O gerenciamento de crise é hoje uma necessidade: visa à redução de perdas no momento em que ocorre uma disrupção no processo produtivo. “É preciso ter a cultura de segurança e qualidade além de ter uma certificação e arrumar a casa quando a instituição certificadora vai visitar. Mas custo – caixa – é limite para tudo”, alerta o Dr. Manara.

Por isso, ele lembra do checklist, que não custa nada e diminui quase 50% das mortes e eventos adversos. “E temos que ficar repetindo isso, por que quantos por cento das instituições hospitalares fazem isso de forma adequada, com a pausa antes de passar para o próximo passo? É algo rudimentar, com custo zero, mas temos uma dificuldade terrível de adesão, e há médicos imaginando que não precisam aderir”, declarou.

Segurança do paciente é lei e vai além do fee por performance

O Dr. Manara citou a Portaria 529/2013, que se tornou a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 36 e institui no Brasil o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), com poder de lei: toda instituição de saúde tem de ter um programa e um núcleo de segurança do paciente. Uma pessoa responsável pelo núcleo, dentro da instituição, determinará as ações a serem colocadas em prática. Segundo o Dr. Manara, essas ações não estão dentro de um escopo que traga custos elevados, seja difícil de implementar ou não seja o básico, o que toda instituição precisa ter para trabalhar com uma forma incipiente de qualidade e segurança, como protocolos para risco de queda, protocolos para meta internacional de segurança e também para lesão sob pressão, úlcera sob pressão, etc.

Veja alguns pontos da RDC 36 de 2013:

Art. 3: Objetivos do PNSP

I. – promover e apoiar a implementação de iniciativas voltadas à segurança do paciente em diferentes áreas da atenção, organização e gestão de serviços de saúde, por meio da implantação da gestão de risco e de Núcleos de Segurança do Paciente nos estabelecimentos de saúde;

II. – envolver os pacientes e familiares nas ações de segurança do paciente;

III. – ampliar o acesso da sociedade às informações relativas à segurança do paciente;

IV. – produzir, sistematizar e difundir conhecimentos sobre segurança do paciente e

V. – fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico e de graduação e pós-graduação na área da saúde.

Art. 4: Definições

III. – Incidente: evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente;

IV. – Evento adverso: incidente que resulta em dano ao paciente;

V. – Cultura de segurança: configura-se a partir de cinco características operacionalizadas pela gestão de segurança da organização.

Segundo o Dr. Manara, somente cerca de 5% dos hospitais brasileiros, possivelmente os certificados (dos cerca de cinco mil hospitais no Brasil, 400 são certificados), devem estar atendendo a essa lei.

Cultura de segurança na prática

Para o Dr. Manara, implantar e aderir de fato a uma cultura de segurança é a forma de fazer diferença nas instituições e no sistema de saúde:

a) Cultura na qual todos os trabalhadores, incluindo profissionais envolvidos no cuidado e gestores, assumem responsabilidade pela própria segurança e pela segurança dos colegas, pacientes e familiares;

b) Cultura que prioriza a segurança acima de metas operacionais;

c) Cultura que encoraja e recompensa a identificação, a notificação e a resolução de problemas relacionados à segurança;

d) Cultura que, a partir da ocorrência de incidentes, promove o aprendizado organizacional;

e) Cultura que proporciona recursos, estrutura e responsabilização para a manutenção efetiva da segurança.

E ainda uma cultura de implementação das Metas Internacionais de Segurança do Paciente

“Qualquer certificadora determina as Seis Metas Internacionais de Segurança do Paciente – que não custam nada e diminuem a morbimortalidade –, já seria ótimo, se os hospitais tivessem ao menos as metas instituídas de forma verdadeira, e não apenas para a certificação.” Dr. Roberto Manara.

“A cultura de segurança evita o erro do ser humano, que é falível e vai errar. O médico anestesista não acorda de manhã querendo matar ninguém, mas é humano, é falível, erra”, afirmou o Dr. Manara, lembrando que o médico anestesista é o único profissional que prescreve e, ao mesmo tempo, administra os medicamentos: “Muitas vezes, vejo carrinhos de anestesia que me parecem verdadeiros protocolos para erro. Uma medida simples e barata, por exemplo, é identificar os medicamentos”.

Carrinho de anestesia no Workshop de Inovação e Gestão em Anestesiologia para Centro Cirúrgico do 8º AnestEdu

Outra medida simples e barata: lavagem das mãos – atitude, princípio. O Dr. Manara contou que, em uma instituição de saúde, foram distribuídos crachás para os médicos se identificarem com RFID cada vez que lavassem as mãos. O objetivo era o fornecimento de dados indicadores de meta cinco: quantos médicos e quantas vezes realmente lavavam as mãos. Todos os médicos tiraram o crachá e colocaram em uma sala, recusando-se a usar porque, disseram, não iam ser fiscalizados. “Entenderam a iniciativa de modo totalmente diverso. Uma atitude como essa ajuda a instituição de saúde? Sustenta a operação?”, perguntou o Dr. Manara. “Não, mas resulta em que nós, médicos, façamos mal para nossa própria imagem, até detonando nosso lugar em um hospital, porque há profissionais preparados para trabalhar com iniciativas como essa.” Segundo ele, cada vez mais, médicos com esse tipo de atitude pouco profissional serão substituídos por outros em um mercado cada vez mais farto de novos profissionais.

Judicialização

Além do fee por performance e os novos modelos de gestão que isso traz, as novas tecnologias, as mudanças nos modelos de monetização das instituições, as consolidações no mercado da saúde brasileira, o número crescente de profissionais no mercado (apesar da proibição da abertura de novas faculdades de Medicina no Brasil), o Dr. Manara lembrou de outra preocupação no horizonte – a judicialização:

  • Desde 2002, aumento de mais de 200% no número de processos que chegaram ao Supremo Tribunal de Justiça;
  • Erro médico: 16 novos casos por dia;
  • Índice de condenação: 40%;
  • Valor médio das indenizações envolvendo óbitos em São Paulo: 300 salários mínimos;
  • Nos EUA – 40% de todos os médicos são processados em algum momento da carreira.